terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A crise, as descrenças, mas acima de tudo a família

70 mil no desemprego. Só ontem. Ouvi a notícia e estremeci. 70 mil novos desempregados na Europa (ou seria ocidente?) só ontem. Tremo. Temo. Mas hoje e sempre resisto e confio. A maior crise desde 1929, já na altura ditada pela ganância de alguns. E nós, a geração a quem tudo prometeram começa a ruir pela base.

Eu não tenho medo.

Vi este fim-de-semana uma reportagem sobre como se vive em Portugal, em diferentes (opostos) sectores da sociedade. Um casal com 2 filhos e um rendimento mensal de 1050 Euros, o patrão deles com um rendimento de 4000. Uns pobres, outros ricos, mas nem uns nem outro a considerarem-se como tal. 1300 euros é o limiar da pobreza (para uma família de 4 pessoas) e eles não se consideram pobres e são, e isso para mim é que foi importante ver, felizes.

Do outro lado, o empresário que subiu a pulso, visionário (dono de uma das minhas marcas de sapatos de eleição e eu a ver o mostruário e a sonhar como seria feliz por trabalhar naquele gabinete). Não referiu o que ganhava ou foi a mim que me escapou porque só lhe vi a tristeza no olhar. Adivinho que não tenha ninguém ao seu lado, porque ninguém se viu e triste, choroso, a relembrar a perda de um filho com 18 anos. Tem dinheiro, muito. Admite que paga, maioritariamente, salários mínimos. Não viaja senão a trabalho. Tem uma casa senhorial, linda, que comprou e recuperou e onde vive, imagino, solitário.

Eu tenho estudos, que me foram proporcionados pelos mesmos pais que não puderam estudar. Tenho tido sempre emprego. Não ganho balúrdios, mas vivo acima do limiar de pobreza. Não sei o que o futuro incerto me reserva, mas tenho esperança e 2 braços. Já temos dito algumas vezes que, quando estivermos todos em casa (e este todos inclui-me a mim, ao meu marido, o meu pai e a minha mãe), sem trabalho, não baixaremos os braços. Vamos abrir um restaurante. Aliamos a mão para a cozinha da minha mãe, a vontade de trabalhar do meu marido, com a minha simpatia e a do meu pai (modéstia à parte ou quem sai aos seus não degenera) e seguimos em frente.

Posso não voltar a comprar um par de sapatos daquela marca do senhor triste, mas enquanto estivermos juntos seremos felizes.

Já sabia disto, relembrei-me ao ver aquela reportagem.

21 comentários:

Márcia Carvalho disse...

nunca comprei porque não posso ou não consigo dar tanto dinheiro por uns sapatos mas tive o mesmo pensamento que tu: "agora é que não compro mesmo". Ao mesmo tempo penso. Aqueles desgraçados são potenciais desempregados porque não haverá muita gente, em Portugal, penso eu, a poder comprar sapatos àquele preço!!

Luz de Estrelas disse...

É que é isso mesmo, Frô. Enquanto houver braços, saúde e família, não podemos nunca desistir. Conheço o senhor triste. Chamo-lhe, a brincar, Fortunato Sapato. Tem tudo, mas aposto que trocaria esse tudo pelo filho que perdeu.

Mocas disse...

"mas enquanto estivermos juntos seremos felizes" foi exactamente o mesmo que senti. Tb não considrei o casal com os dois filhos e os 1050€ pobre. havia harmonia, amor, comida na mesa e o miúdo estava a jogar num portátil. e fiquei com uma certa admiração pela forma como o "fortunato sapato" se expôs, como teve coragem de dizer que era rico, mas que havia muitos pobres que tinham coisas que ele gostava de ter e nunca teria. ... uma versão actualizada do "conto de Natal" do Dickens.

Ana disse...

És uma valente em pensar abrir um negócio nesta altura do campeonato mas também dizem que é em tempos de crise que se fazem os ricos!

Dou-te a maior força e felicidades para tudo.

Cristina disse...

Eu, todos os dias, tremo e temo. (como o livro, né?) O importante é a família e a saúde. Mas quando falta trabalho, torna-se difícil viver.
A reportagem saíu na Visão também...

bjos

Cristina

me disse...

O tema do desemprego faz-me estremecer! Até porque já estive na iminência de...

Mas penso como tu! Não é por causa de um curso que eu não hei-de arregaçar as mangas e lutar!

Bjocas

Miúda disse...

Vindo de ti n é de estranhar, mas esta postura sobre as notícias que aqui tão bem escreves é também a nossa, e o sorriso, sabendo arregaçar as mangas e sabendo o que há de mais importante, é sempre bem mais verdadeiro.
Bjs

Ana Rute Oliveira Cavaco disse...

também não tenho medo, graças a Deus.

Raquel disse...

Nós somos 4 e vivemos com 1400€ por mês...não é fácil, mas somos felizes e também não tenho medo, muito embora me entristeça com estas notícias de pessoas desesperadas, ao ficarem sem o seu ganha pão. :(

Jolie disse...

eu subscrevo palavra por palavra, vírgula por vírgula.

Haja saúde!

Fitinha Azul disse...

Deixo aqui o meu sorriso, desde que haja saúde tudo se consegue:)

Beijocas

Rita Camões disse...

Aqueles olhos tristes não valem os rodos de dinheiros que ganha.

A saúde e alegria de estar juntos é que não pode faltar, porque o resto, o resto vem por acréscimo.

bjkas

Anônimo disse...

Bolas perdi a entrevista, raios raios raios...

vi só a apresentação e pensava que o senhor-rico iria pra lá exibir o seu dinheiro pelo ecrã...

mas afinal não...

gosto de "ouvir" que o dinheiro "ainda" não compra tudo... e que pelos comentários, o senhor-pobre podia ganhar apenas 1050 euros, sonhar com uma casa-própria, querer dar tudo aos filhos... mas que mesmo sem essas coisas, eram felizes...

e sim, assustou-me o anuncio ontem 70500 desempregados, valha-me deus... eu só dizia pró meu marido "se um de nós calha a ficar desempregado, nem sei como nos amanhamos"... mas ele péssimista como é, supreendeu-me "se eu ficar desempregado, juro-te que n vou ficar parado... nunca tive medo de trabalhar" :)

e tu fizeste-me recordar isso mesmo tb... nunca baixaremos os braços :)

Mae Frenética disse...

Flores, esse senhor perdeu um filho, mas tem mais familia. Eu conheço uma, a distancia, por exemplo, q já lhe deu netos ou sobrinhos netos. Acho q é filha, ate pode ser sobrinha, mas sao uma familia unida, pelo q me contou o meu pai, q os conhece melhor.
Sabes Flores, ele é triste pq perdeu um filho... se o casal q so ganha 1000 euros tb tivesse perdido um tb era triste...
Ainda bem q ha Fortunatos, q criaram trabalho. Eu ja fui mais descrente neste genero de patronato, confesso. Conheço-os, alguns, bem demais. Pagam o salario minimo a mtos, mas pagam mais a outros. E ajudam alguns a abrir a sua propria marca...

Adiante.

O problema daesta crise é q nao ha por onde fugir. Nao ha.
Hoje falei com 5 empresas pessoalmente. Todas, TODAS, despediram gente. Algumas 3 dezenas, outras 13, outras 20, outras 80... se todas as pessoas q sairem abrirem restaurantes ou afins como é?

Isto tem de dar uma volta mas é doutra maneira. Nem sequer acredito q va pelas ajudas dos governos, quase todos falidos, incluindo o nosso.

Vamos passar muitas dificuldades, pq a era do dinheiro virtual acabou. Vamos voltar a plantar legumes na horta de casa, a andar a pé, a valorizar um ou dois gelados por Verão como no tempo dos nossos avos.

Eu? Eu estou como tu. O meu poder de compra ha 5 anos era igual ao de hoje. Mas eu hoje, 27 de Janeiro de 2009, nao compraria sapatos, faria ferias ou fds com a mesma frequencia q ja fiz. Nao troco de carro de 5 em 5 anos.

E isto é uma pescadinha de rabo na boca. Qto menos se compra, menos se produz, acumulam-se stocks, param-se fabricas, despede-se gente, diminui o consumo, and so on...

Quem me dera ter a soluçao. Nao tenho. Mas tb nao tenho uma visao tao romantica como tu.

Eu hoje estive em empresas q despediram gente. Gente q me telefona a pedir emprego e a quem eu ja nem posso aconselhar q emigrem pq isto la fora esta pior do q aqui.
Eu hoje tive amigos a almoçar comigo q foram despedidos e q vao para o Brasil. Amigos q tem filhos e casas q nem tentam vender pq ninguem compra casas hoje em dia.
Eu hoje estive a porta de empresas q nao abriram portas e onde nos temos dinheiro sem receber...

E eu hoje nao fui a nenhum restaurante almoçar...

Desculpa o texto, mas hoje tem sido um longo dia de realidade...

Flores disse...

Fren,

tb admiro os Fortunatos. Não concordo com as políticas de pagamentos deles, mas se calhar tb é por isso q ñ sou nem nunca serei patroa.

O meu poder de compra não é o mm de há 5 anos, é o mm de há 10. 10, leste bem. E há 10 não tinha 2 filhos ao meu encargo.

Obviamente q o restaurante pode ser uma outra coisa qualquer e essa outra coisa qualquer pode passar por voltar a produzir o q comemos. Não tenho medo disso, honestamente. E se não pudermos ter 2 carros, como temos no momento, tb não morro por isso.

Sei q esta bolha teria q rebentar de alguma forma. Sei q andou/anda mta gente a viver uma vida q ñ era real, e isso tb teria q se pagar de alguma forma. E só tenho pena q quem acabe por pagar sejam pessoas como os teus amigos q vão para o Brasil e não os verdadeiros culpados.

Sei q os meus avós não tiveram metade do q eu tenho (materialmente falando) e não foram menos felizes por isso. Tiveram sp comida para dar aos filhos e tiveram-nos sempre junto deles. E isso para mim é q é importante.

E trago lancheira todos os dias. Nem sequer como em restaurantes. Não sei se será ou não um bom negócio.

Sei que, porque vi ali também, é possível viver com mto menos do q aquilo q tenho e ser feliz.

Mae Frenética disse...

Flores, querida, eu percebo o q queres dizer.
O meu marido passou o jantar todo a dizer q temos de consumir, q temos de comprar, nós q ainda temos ordenados e empregos. É um optimista... :)

Eu tb seria se nao tivesse apanhado um estalo de realidade hoje.
Sabes, curiosamente tenho mais pena dos operarios q deixaram de ter trabalho do q dos meus amigos. Esses ainda tem dinheiro para a passagem aerea para o Brasil e para começar la a vida.

Essa familia q ganha 1000 euros por mes era feliz com pouco, mas agora imagina a ganhar so 500. E como elas ha mtas, dezenas, centenas, milhares pelo pais fora.

Eu sei q estou negativista, mas isto tem sido uma razia. Uma razia...

calamity jane disse...

Curiosamente e apesar de tudo, não me sinto preocupada nem ansiosa com o futuro. Pode parecer irresponsabilidade da minha parte mas penso um pouco como tu. Na verdade precisamos de tão pouco! Tão menos do que nos quiseram fazer acreditar para embarcarmos que nem uns patinhos nesta treta desta sociedade de consumo em que só conta ter, ter, ter, comprar,comprar, comprar. O meu poder de compra tb é igual ao de há 10 anos. Quero dizer, não é o poder de compra. É o montante que entra. O que sai é o dobro, ou o triplo, sei lá. Mas não me sinto em pânico. Lamento ter trocado de casa, isso sim. Agora devo duas ao banco e não sei como descalçarei esta bota. Mas alguma coisa há de se arranjar. E não concordo com a Fren quando diz q o governo está falido. Falidos estamos nós. Eu quase só trabalho para lhes pagar IVA's, multas disto e daquilo, fora a segurança social q não pago vai para 3 anos. Como eu o que não falta é malta a receber cartas das finanças aos montes (pergunto a mim própria onde é que eles arranjam tangtas infracções fiscais para infligir a uma só pessoa. bolas que devo ser mesmo uma caloteira de primeira!) Quando quiserem q venham e nos ponham a dormir na rua. Desde que sobre, como aos amigos da Fren, dinheiro para a passagem, cá nos arranjaremos. Se não sobrar seremos os novos indigentes. Não me sinto em pânico, é isso. Estranho mas verdade. Desculpa, as usual, estiquei-me...

Bekas C. disse...

Esta situação toda é um pau de 2 bicos... e é verdade que se não houver consumo não há crescimento!

Trabalho numa industria e bem vejo os que os operários levam para casa... uma ninharia!

:(

InêsN disse...

se grande parte dos meus utentes tivesse €250 per capita, seriam felizes...

todos os dias vejo olhos de fome e os olhos de fome são uma coisa terrível de se ver.

este vai ser um ano muito mau. infelizmente não tenho dúvidas disso.

SC disse...

Também me tranquiliza a família.

Gostei muito do teu post. Contraria, de certa forma, apesar de todo o realismo, esta onda negativista explorada pelos media. Eu sei que o panorama não está fácil, mas este oportunismo mediático da desgraça dos outros, a repetição constante de que "é o fim do mundo", revolta-me. Há mais gente a baixar os braços por isto.

Cool Mum disse...

e tudo e tudo e tudo, que não me ocorre mais nada para dizer